É irregular a retificação de edital que altera substancialmente a documentação necessária para habilitação no certame sem reabertura dos prazos iniciais (art. 55, § 1º, da Lei 14.133/2021). A republicação do edital é necessária quando as alterações impactam não apenas itens relativos ao objeto da contratação e sua precificação, mas também a competitividade do certame.
TCU – Acórdão nº 1201/2025 – Segunda Câmara, Relator Antonio Anastasia, Data sessão: 25/02/2025

Um edital é um documento que anuncia uma licitação, definindo regras e critérios para a participação de empresas interessadas em prestar serviços ou fornecer bens ao governo. Retificar um edital significa corrigir ou modificar seu conteúdo após sua publicação inicial. A questão central reside em como lidar com essas alterações, garantindo a transparência e a isonomia entre os concorrentes. O assunto foi tratado na Lei geral de licitações e contratos, Lei nº 14.133/21, da seguinte forma:

Art. 55. Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances, contados a partir da data de divulgação do edital de licitação, são de:
(…)
§ 1º Eventuais modificações no edital implicarão nova divulgação na mesma forma de sua divulgação inicial, além do cumprimento dos mesmos prazos dos atos e procedimentos originais, exceto quando a alteração não comprometer a formulação das propostas.

A falta de republicação quando exigida por lei pode anular o processo e resultar em multas. Portanto, é importante identificar quando a republicação é obrigatória (ao modificar o objeto ou critérios de habilitação), estabelecer os meios adequados para republicação e respeitar os prazos legais.

Quando a republicação é obrigatória

O dispositivo legal é claro ao afirmar que a republicação é obrigatória sempre que a modificação do edital puder comprometer a formulação da proposta. Tal norma deve ser interpretada no sentido que tanto alterações no objeto quanto nos critérios de habilitação, bem como, modificações que ampliem a competitividade e não afetem as propostas já formuladas, devem conduzir para a republicação do edital.

Portanto, mesmo que a modificação seja para suprimir uma exigência de habilitação, o edital deverá ser republicado. Tal conclusão se justifica em vista da potencial ampliação da competitividade por essa modificação. Potenciais empresas que antes da supressão da exigência não atendiam aos critérios de habilitação, agora precisarão do mesmo prazo inicialmente dado para formularem suas propostas, uma vez que estão aptas a atender os requisitos de habilitação atualizados.

Isso não significa que qualquer modificação no edital obrigará a republicação pelo mesmo prazo. A análise técnica quanto à necessidade de republicação deve interpretar o termo legal “comprometer a formulação das propostas” incluindo quaisquer elementos aptos a interferir na competitividade da licitação.  

Alguns exemplos concretos de modificações que exigem a republicação:

É necessária a republicação do edital de licitação e a consequente reabertura de prazo para apresentação de novas propostas mesmo na situação em que tenha sido excluída exigência de qualificação técnica e todos os licitantes tenham sido individualmente comunicados da modificação.

TCU – Acórdão nº 1608/2015 – Plenário, Relator Benjamin Zymler, Data sessão: 01/07/2015

O esclarecimento, pela Administração, de dúvida suscitada por licitante que importe na aceitação de propostas com exigências distintas das previstas no edital não supre a necessidade de republicação do instrumento convocatório (art. 21, § 4º, da Lei 8.666/1993).

TCU – Acórdão nº 548/2016 – Plenário, Relator José Mucio Monteiro, Data sessão: 09/03/2016

Havendo divergência entre o edital da licitação e os avisos publicados quanto à data de abertura da sessão pública, deve haver nova divulgação do edital, sob pena de o certame ser anulado, uma vez que o fato atenta contra o princípio da publicidade e restringe o caráter competitivo da licitação, configurando grave infração à norma legal.

TCU – Acórdão nº 179/2015 – Plenário, Relator Bruno Dantas, Data sessão: 04/02/2015

Qual a forma e o prazo da republicação

Ao tratar o assunto, a Lei fala que a republicação deverá ocorrer “na mesma forma de sua divulgação inicial”, ou seja, em todos os meios e pelo mesmo prazo inicialmente publicado.

Repare que, pela literalidade da Lei, a republicação não pode seguir o prazo mínimo da licitação, mas sim o prazo inicialmente escolhido pelo gestor para que as empresas apresentem suas propostas.

Por exemplo, o prazo mínimo de publicidade previsto na Lei para uma licitação visando adquirir bens pelo critério de julgamento menor preço é de 8 (oito) dias úteis (art. 55, I, a da Lei nº 14.133/21). Contudo, o gestor pode discricionariamente adotar prazo maior, visando permitir que as empresas interessadas tenham mais tempo para planejar e montar suas propostas. Assim a publicação inicial poderia ser nesse exemplo por 12 (doze) dias úteis.

Ocorre que, se no décimo dia for necessário modificar o edital com interferência na competitividade do processo ou na formulação da proposta, será necessária uma nova divulgação do edital. Nesse momento, o gestor não poderia escolher o prazo mínimo de 8 (oito) dias úteis, agora seria necessário respeitar no mínimo o prazo de divulgação inicial, ou seja, 12 (doze) dias úteis.  

Na mesma linha, o TCU entende que alterações substanciais exigem a republicação pelos prazos inicialmente estabelecidos, para garantir igualdade de oportunidades. Caso contrário, a alteração comprometeria a isonomia e a transparência do processo licitatório, podendo gerar prejuízos à Administração Pública. A simples retificação sem reabertura de prazos configura irregularidade.

Qualquer modificação dos critérios inicialmente fixados no ato convocatório exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.
TCU – Acórdão nº 2898/2012 – Plenário, Relator José Jorge, Data sessão: 24/10/2012

Ainda que essa seja a regra geral, é necessário analisar o processo com proporcionalidade, e considerando as consequências práticas da decisão.

Imaginemos uma segunda situação. Agora para contratação de um serviço de fiscalização de obra pública pelo critério de julgamento menor preço (o prazo mínimo legal seria de 10 dias úteis, conforme art. 55, II, a da Lei nº 14.133/21). No cenário hipotético, a publicação inicial foi de 25 (vinte e cinco) dias úteis, visando adequar a agenda de atividades da comissão de licitação e considerando que a previsão de início da obra seria em 50 dias úteis à frente.

Ocorre que, no vigésimo dia de publicação o órgão identificou um ponto de divergência entre o projeto executivo e a planilha disponibilizada como modelo de proposta. Ainda que tal erro não seja de grande impacto, a análise técnica concluiu que interfere na formulação da proposta.

Pela literalidade do entendimento, nesse momento seria necessário republicar o edital por mais 25 (vinte e cinco) dias úteis. Contudo, analisando o caso concreto, a modificação realizada não afetou a competitividade ou a formulação da proposta com impacto significativo que justificasse a exigência do mesmo prazo inicial para as empresas reformularem suas propostas. Além disso, uma nova publicidade por mais 25 dias úteis poderia comprometer a própria efetividade da contratação, visto que a obra poderia iniciar sem ter a respectiva fiscalização contratada.

Todos esses fundamentos poderiam justificar extraordinariamente uma republicação pelo prazo mínimo previsto na Lei, e não pelo prazo de divulgação inicial. Nesse sentido, em vista dos princípios da duração razoável do processo, eficiência e proporcionalidade, o próprio Tribunal de contas já reconheceu a excepcionalidade:    

No caso de alterações de editais que afetem a formulação de propostas pelos licitantes, a Administração poderá definir prazos que viabilizem efetivamente a reformulação destas pelos interessados e que, ao mesmo tempo, não tornem o processo licitatório excessivamente moroso. Tal prazo deverá ser necessário e adequado à elaboração das propostas, podendo ser superior ou inferior ao prazo anteriormente fixado no edital, não podendo, em qualquer hipótese, ser inferior aos mínimos previstos no art. 21, § 2º, da Lei 8.666/1993.
TCU – Acórdão nº 1284/2007 – Plenário, Relator Benjamin Zymler, Data sessão: 27/06/2007

Mesmo considerando que esse entendimento foi proferido com referência à antiga Lei nº 8.666/93, considerando a similaridade com o atual texto legal, é razoável presumir que suas razões de decidir são adequadas ao atual momento normativo.

Logo, a decisão de republicação deve ser escolhida com cuidado, visando garantir o cumprimento da Lei nº 14.133/21, com respeito à isonomia e à competitividade, e ponderação conjunta com os princípios da eficiência, proporcionalidade e análise das consequências práticas da decisão, nos termos do art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42).

Forma de Contagem do Prazo

Destaca-se ainda que a contagem do prazo segue a regra geral dos prazos processuais, ou seja, deve ser excluído o de início e incluído o final. O termo inicial é o primeiro dia útil seguinte à ultima divulgação, conforme art. 183:

Art. 183. Os prazos previstos nesta Lei serão contados com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento e observarão as seguintes disposições:
I – os prazos expressos em dias corridos serão computados de modo contínuo;
II – os prazos expressos em meses ou anos serão computados de data a data;
III – nos prazos expressos em dias úteis, serão computados somente os dias em que ocorrer expediente administrativo no órgão ou entidade competente.
§ 1º Salvo disposição em contrário, considera-se dia do começo do prazo:
I – o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação na internet;
II – a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a notificação for pelos correios.

O órgão julgado foi o Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 13ª Região (Creci/ES), no processo de Pregão Eletrônico 1/2024, que objetivava o registro de preços para contratação de serviços de eventos e similares. A natureza do processo foi uma representação apresentada ao Tribunal de Contas da União (TCU). 

O principal ponto analisado foi a retificação do edital do Pregão Eletrônico 1/2024, dois dias antes da abertura do certame, com alterações substanciais nas exigências de habilitação, sem reabertura dos prazos. O Creci/ES justificou a ausência de reabertura de prazos alegando que a alteração se restringiu à inclusão de documentos de habilitação e que a reabertura prejudicaria seu planejamento estratégico.

Dentre seus argumentos, destacou que a modificação “não interferiu na formulação das propostas pelos licitantes, preservando, assim, a integridade do processo licitatório” e que “a comemoração do dia dos Corretores de imóveis ocorre em agosto” portanto, a republicação poderia inviabilizar a contratação dentro do prazo necessário para a execução do objeto (serviço de eventos).

O TCU, baseado na Lei 14.133/2021 (art. 55, §1º) e na sua jurisprudência, concluiu que a justificativa do Creci/ES é insuficiente, pois as alterações impactaram a competitividade do certame, violando os princípios da publicidade e da isonomia. No mesmo sentido, além da irregularidade pela não publicação, a alegação de falta de tempo para republicar indica a existência também de falha no planejamento da contratação. Nesse sentido, fundamentou o acórdão:

se a contratação de empresa especializada na promoção de eventos é tão fundamental para o funcionamento do Conselho, como afirma a entidade em sua resposta à oitiva, seria esperado que o ente contratante se organizasse administrativamente para que o edital do certame fosse cuidadosamente elaborado. Além disso, a data de publicação do edital deveria considerar as datas previstas para os eventos marcados e os prazos para eventuais impugnações e recursos, garantindo a finalização da contratação, sem o descumprimento de prazo legalmente previsto

A falta de reabertura de prazos após mudanças substanciais no edital foi considerada irregular. O baixo número de licitantes e a pouca variação nos preços apresentados também foram considerados relevantes na decisão.

Não houve anulação do Contrato, pois pela ótica do relator ele já “está em execução e sua vigência se estende até julho de 2025”, não sendo proporcional declarar sua nulidade nesse momento processual. No entanto, o TCU determinou que o Creci/ES fosse cientificado das irregularidades encontradas, especialmente quanto à violação do art. 55, § 1º, da Lei 14.133/2021, e da jurisprudência do TCU.

A penalidade aplicada se resume a essa ciência e à recomendação de adoção de medidas internas para evitar novas ocorrências semelhantes. Não houve aplicação de multas ou outras penalidades financeiras.

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